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Ahimsa nas Relações

Ahimsa nas Relações

avatarMaristela Lima data 04/09/2016

ahiṃsā-pratiṣṭhāyāṃ tat-saṃnidhau vaira-tyāgaḥ

“Quando nos estabelecemos firmemente em ahimsa, deixa de existir qualquer hostilidade ou ressentimento ao nosso redor.”

O Sutra 2.35 dos Yoga Sutras de Patânjali refere-se à Ahimsa como um estado de presença isento de qualquer traço de violência, no qual toda e qualquer forma de agressividade torna-se impossível, em si e nos seres ao redor. Algumas possíveis traduções deste Sutra são:

  • Na presença de alguém que é absolutamente inofensivo, toda hostilidade cessa.
  • No estabelecimento da não-agressão (ahimsa) a inimizade desaparece das proximidades.

Ahimsa é o primeiro dos Yamas, ou preceitos morais e éticos do Yoga, relativos ao nosso comportamento com o mundo, com os outros e conosco, como vemos abaixo:

  • 1. AHIMSA – não-violência
  • 2. SATYA – veracidade/ verdade/ autenticidade
  • 3. ASTEYA – não-roubar
  • 4. BRAHMACHARYA – castidade
  • 5. APARIGHARA – não-cobiçar

De acordo com o texto clássico Hatha Yoga Paradipika (1.1.17), manual sânscrito escrito no século XV por Swami Svatmarana, discípulo de Swami Gorakhnath, ahimsa é uma obrigação a ser cumprida para os praticantes do Hatha Yoga. Para aqueles que seguem o Ashtanga Yoga de Patanjali, ou o “yoga dos oito passos”, sem a prática dos yamas, não é possível ascender para os passos seguintes. E sem a prática de ahimsa, a prática dos outros yamas é insuficiente.  Ahimsa está presente em diversas religiões, como no Jainismo, Hinduísmo e Budismo.  

Segundo TAIMNI, em A Ciência do Yoga, “Ahimsa é uma qualidade dinâmica e positiva de amor universal, não uma simples atitude passiva de inofensividade. (...) Esta qualidade denota uma atitude e um tipo de comportamento em relação a todas as criaturas vivas, com base no reconhecimento da subjacente unidade da vida. (...) Quem deseja se aperfeiçoar na prática de ahimsa mantém rigorosa vigilância sobre sua mente, suas emoções, suas palavras e seus atos, e começa a ajustá-los ao seu ideal. Pouco a pouco, à medida que ele consegue por em prática seus ideais, as crueldades e injustiças contidas em seus pensamentos, palavras e atos vão se revelando, sua visão torna-se clara e, assim, sob quaisquer circunstâncias, o modo de se conduzir corretamente será conhecido por intuição. De forma gradual, este ideal de inofensividade, aparentemente passivo, se transformará em uma positiva e dinâmica vida de amor, em seu aspecto mais terno, em relação a todos os seres vivos e, em sua forma prática, o servir.” (I.K. TAIMNI, A Ciência do Yoga).

Na interpretação de Paramahansa Yogananda para este sutra, ele diz que “a melhor resposta à ameça de violência, é projetar uma imagem inofensiva”, lembrando-nos que “quanto maior for a força contrária, maior deverá ser o magnetismo para enfrentá-la”.

Gandhi dizia: “A não-violência é a arma dos fortes”. A força de vontade para permanecer impassível em ahimsa diante das hostilidades é o pilar que sustenta todo combate não-violento. Firmemente estabelecido nesta postura, Gandhi, com muito apoio de sua comunidade, mobilizou milhares de pessoas na Índia para combater, não-violentamente, a invasão inglesa. Não-violência não é sinônimo de passividade nem de paz. Viver alinhado com a não-violência não é ser bonzinho e dócil, evitando conflitos. É, antes, agir de acordo com princípios que servem à vida.

A maneira mais efetiva que encontrei de praticar ahimsa em minha vida foi com a descoberta da Comunicação Não-Violenta. Esta abordagem nasceu na década de 1960, idealizada por Marshall Rosemberg, resultado de seus estudos sobre religião comparada, psicologia social e por suas próprias práticas e observações. Hoje, vem sendo usada ao redor do mundo todo como uma importante ferramenta para olhar os conflitos e cuidar das relações de uma forma restaurativa. Seja em relações entre casais ou entre nações, através da Comunicação Não-Violenta são consideradas as necessidades de todas as pessoas envolvidas, prevalecendo uma cultura pautada na parceria e na cooperação, que busca servir à vida em todas as suas formas.

A Comunicação Não-Violenta nos apoia a olhar além da dinâmica de bem e mal, de culpado/inocente, mocinho/bandido, vítima/algoz, aliados/ inimigos. Além da dualidade que separa e nos faz esquecer que a vida é una. Ela foca naquilo que nos une, na nossa humanidade compartilhada, em nossas similaridades. É aí, além desta fronteira, que podemos nos encontrar como seres humanos que somos todos. Como diz o poeta sufi Rumi, “para além das ideias de bem e de mal, existe um campo. Nos encontraremos lá”.

Marshall Rosemberg sistematizou em quatro passos e algumas distinções-chaves aquilo que ele viria a chamar de Comunicação Não-Violenta. Sua abordagem, quando vista superficialmente, pode parecer apenas um conjunto de técnicas para melhorar seu relacionamento consigo mesmo e com os outros. Mas, quando realmente nos permitimos ser transformados pela força contida na não-violência, vemos que isso é a própria espiritualidade na prática, tornada factível no dia-a-dia, em nossas relações nos diversos níveis – intrapessoal, interpessoal e sistêmico. Estes passos podem ser dançados em minha direção ou em direção ao outro. Ou seja: com o apoio destes passos, eu me permito me expressar honestamente e ouvir empaticamente, criando espaço para o diálogo e a possibilidade de olhar para aquilo que nos une, tirando o foco do que nos separa.

Os passos são os seguintes: Observação, Sentimento, Necessidade, Pedido (ação). Na prática, didaticamente, seria algo como o que segue abaixo.

Expressando-me honestamente:

Quando EU vejo/ ouço/ lembro (Observação), EU me sinto (Sentimento), porque PARA MIM é importante (Necessidade). E EU gostaria de (Pedido/ ação).

Acolhendo o outro empaticamente:

Quando VOCÊ vê/ ouve/ lembra (Observação), VOCÊ se sente (Sentimento), porque para VOCÊ é importante (Necessidade). E VOCÊ gostaria de (Pedido/ ação).

É importante ressaltar que esta é uma forma “didática” de mostrar o caminho, um início para começar a praticar. Com o tempo, isso se tornará mais fluído. Além disso, esta forma de comunicar só fará sentido se for acompanhada de uma disposição interna coerente com o que se está dizendo, baseada na intenção de realmente conectar-se a outro ser humano, com atenção plena no momento presente. Cada situação, assim como cada relação, é única. Então, para além de um “como fazer”, o mais importante é nossa intenção de focar naquilo que nos une e ouvir um ao outro buscando o sentido, a humanidade de quem está se expressando. Ouvir com o coração. E expressar-se a partir daí.

Focar a atenção naquilo que realmente importa – nossas necessidades compartilhadas - nos apoia a lembrar de que a ação do outro não é a causa de meus sentimentos, trazendo a responsabilidade que cabe a cada um, e também que eu não causo os sentimentos dos outros, evitando o jogo de vítima/ algoz, sem culpas nem desculpas, mas sim, responsabilidade.

Em resumo, a Comunicação Não-Violenta é uma maneira de nos colocarmos no mundo realçando aquilo que nos une, as nossas semelhanças, a nossa humanidade compartilhada, aprimorando nossa capacidade de valorizar as nossas diferenças e de nos conectarmos com aquilo que temos em comum – nossas necessidades mais fundamentais, como amor, justiça, dignidade, autenticidade, liberdade, segurança, paz, saúde, etc. Ela nos apoia a desenvolver a competência relacional necessária para acolher as emoções e lidar com os conflitos internos e externos de forma mais sustentável, considerando aquilo que é importante para todas as pessoas envolvidas, mesmo nas situações mais adversas, buscando cocriar as condições para que as necessidades de todos sejam contempladas.

O Sutra 2.36, intimamente ligado à Ahimsa, é Satya, a veracidade ou verdade. Algumas traduções possíveis dizem o seguinte:

“A palavra de quem é absolutamente sincero tem poder sobre a realidade”.

“No estabelecimento da verdade (Satya), surge a coerência dos resultados e das ações.”

Na interpretação de Paramahansa Yogananda, ele diz que “ser sincero é estar em sintonia com as coisas da maneira como realmente são”. Ou seja, olhar a realidade como ela realmente é e falar e agir a partir desta verdade que se apresenta.

Ora, a verdade, a veracidade ou sinceridade, é um dos caminhos para nos conectarmos uns aos outros, segundo a Comunicação Não-Violenta: a expressão autêntica e sincera daquilo que está vivo em nós e a disposição para ouvir o que está vivo no outro, a verdade pulsante em outro ser humano.

Assim, percebemos a relação entre ahimsa e satya e chegamos à importância do quinto chakra, Vishudda, o centro da garganta – que, não por acaso, está intimamente ligado ao 4º, o chakra do coração.

Vishudda significa “muito puro” ou “muito purificado”, sua representação é uma flor de lótus de seis pétalas, sua cor é azul e seu bijamantra é HAM. Governa a audição e os ouvidos como órgão de percepção e boca e cordas vocais, como órgãos de ação, relacionando-se ao equilíbrio do sistema respiratório e da tireóide (sistema endócrino). Localiza-se, assim, na região que envolve pescoço, garganta e o plexo carotídeo, a parte cervical da coluna dorsal correspondente ao pescoço.

Este é o chakra da comunicação. Ele faz a conexão entre o que pensamos (chakra da cabeça) e o que sentimos (chakra do coração) e o que expressamos (chakra da garganta), através da observação atenta e da escuta plena. Vishudda está intimamente ligado tanto à nossa capacidade de estarmos confortáveis com a pessoa que somos e de nos expressarmos com clareza, quanto de escutarmos com atenção plena, receptividade e discernimento, ativando nossa intuição e percepção da realidade como ela é.

“O quinto chakra é o centro do som, das vibrações e da auto expressão. De fato, é o nível de consciência que controla, cria, transmite e recebe as comunicações, quer provenham elas do interior ou do exterior, quer impliquem em um ou muitos indivíduos. É também o centro dinâmico de nossa criatividade, o lugar onde nossas velhas ideias se transformam em novos conceitos. Entre os atributos do chakra da garganta, destaca-se: a escuta, a linguagem, a escrita, o canto, a telepatia e todas as artes, particularmente aquelas que têm relação com o som e a linguagem.” (MILLER, Joan).

Dizem também que este é “chakra do renascimento espiritual e que nele se incluem jnana, a atenção plena que confere bem-aventurança, prana, a força vital através do corpo que trás equilíbrio de todos os elementos, apana, o ar que limpa o corpo e é carregado com íons negativos, vyana, o ar que regula o fluxo sanguíneo. (...) A meditação em Vishudda propicia calma, serenidade, pureza e o domínio das palavras.” (JOHARI, Harish).

Quando estamos verdadeiramente comprometidos com os valores universais (firmemente estabelecidos em ahimsa e em satya, por exemplo), não apenas as nossas palavras, mas também nossas ações são reflexos destes valores, libertando-nos de crenças pessoais, ideias herdadas e padrões repetitivos que nos conduzem ao contrário daquilo que realmente somos em essência.

O caminho da Comunicação Não-Violenta tem-se mostrado um apoio efetivo para quem busca este comprometimento. À medida, então, que conseguimos integrar em nossas palavras e em nossas ações os conceitos-atitudes propostos pela Comunicação Não-Violenta, vamos diminuindo a reatividade e a impulsividade que muitas vezes resultam em atos prejudiciais à vida. Assim, ahimsa deixa de ser uma utopia para tornar-se algo concreto em nosso dia-a-dia, transformando nossas relações e reverberando “a qualidade dinâmica e positiva de amor universal”, criando um campo onde nenhuma forma de violência é aceitável e apoiando-nos para que estejamos realmente a serviço da vida. 

Leitura recomendada:

ROSENBERG, Marshall. Comunicação Não-Violenta. São Paulo: Ágora, 2006.

I.K. TAIMNI. A Ciência do Yoga. Brasília: Teosófica, 2011

HARISH, Johari. Chakras, centros de energia de transformação. São Paulo: Pensamento, 2010.

MILLER, Joan. O livro dos chakras, da energia e dos corpos sutis. São Paulo: Pensamento, 2015.

SWAMI KRIYANANDA. Desmistificando os Yoga Sutras de Patânjali. São Paulo: Pensamento, 2014.

Os Yoga Sutras de Patânjali. São Paulo: Mantra, 2015.

Cadernos de Yoga, números 23 e 36. Florianópolis, 2009 e 2012 respectivamente.

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